A Situação Atual das Santas Casas, Hospitais Filantrópicos e Organizações Sociais de Saúde (OSS) no Brasil

Introdução

As Santas Casas, os Hospitais Filantrópicos e as Organizações Sociais de Saúde (OSS) constituem a espinha dorsal da rede de assistência hospitalar do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil. Essas entidades, embora com naturezas jurídicas e modelos de gestão distintos, compartilham o papel vital de complementar a oferta de serviços públicos de saúde, especialmente em procedimentos de média e alta complexidade. Este relatório visa analisar a situação atual dessas instituições, abordando suas condições financeiras, a percepção governamental e a qualidade do atendimento prestado à população.

1. Condições Financeiras e Operacionais

A sustentabilidade financeira é o desafio mais premente para as Santas Casas e Hospitais Filantrópicos (SC/HF), enquanto as Organizações Sociais de Saúde (OSS) enfrentam questionamentos sobre a alocação e a transparência dos recursos públicos.

1.1. Santas Casas e Hospitais Filantrópicos

O setor filantrópico, responsável por uma parcela majoritária dos atendimentos de alta complexidade do SUS, opera sob um cenário de subfinanciamento crônico. Dados da Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas (CMB) indicam que mais de 60% dessas instituições operam com déficits financeiros 1. A principal causa é a defasagem da Tabela SUS, que, em muitos casos, remunera os procedimentos em valores significativamente inferiores aos custos reais de manutenção e operação, chegando a uma defasagem estimada em 60% 2.

O resultado direto desse desequilíbrio é um alto nível de endividamento. O tema da renegociação das dívidas, especialmente com instituições financeiras públicas, tornou-se uma pauta urgente, com o próprio Governo Federal reconhecendo a necessidade de medidas estruturantes para garantir a saúde financeira do setor 1.

1.2. Organizações Sociais de Saúde (OSS)

O modelo de gestão por OSS, criado pela Lei Federal nº 9.637/98, baseia-se na transferência de gestão de unidades públicas de saúde para entidades privadas sem fins lucrativos, por meio de Contratos de Gestão. O financiamento dessas entidades é realizado por meio de vultosos repasses de recursos públicos 3.

A principal justificativa para a adoção do modelo OSS é a busca por maior eficiência e agilidade na gestão. Estudos comparativos, embora controversos, sugerem que hospitais sob gestão de OSS podem apresentar maior produtividade e menor custo operacional em comparação com a administração direta 4. No entanto, o modelo é frequentemente alvo de críticas relacionadas à transparência, à fiscalização dos Contratos de Gestão e a questões trabalhistas, com denúncias de precarização das relações de trabalho 5.

2. Percepção e Tratamento Governamental

A relação entre as esferas governamentais (União, estados e municípios) e essas entidades é marcada por um reconhecimento da sua importância, mas também por uma gestão de crise no caso das SC/HF e por um debate político-administrativo no caso das OSS.

2.1. Santas Casas e Hospitais Filantrópicos

A percepção governamental sobre as Santas Casas é de que são “pilares da saúde pública brasileira” 1. Esse reconhecimento se traduz em ações como a Lei nº 14.820/2024, que garante a revisão anual dos valores de remuneração dos serviços prestados ao SUS, e o apoio de alto nível para a renegociação de dívidas 1.

Em nível estadual, algumas iniciativas buscam mitigar o subfinanciamento. O exemplo da “Tabela SUS Paulista” demonstra que a suplementação de recursos estaduais, com remuneração superior à tabela nacional, é uma estratégia para manter a qualidade e a capacidade de atendimento dessas instituições 6.

2.2. Organizações Sociais de Saúde (OSS)

O tratamento governamental às OSS varia, mas é caracterizado pela sua crescente adoção como modelo de gestão, especialmente em estados como São Paulo, Maranhão e Santa Catarina 7. A relação é estritamente contratual, mediada pelos Contratos de Gestão, que definem metas e indicadores de desempenho.

Apesar da adoção, o modelo é constantemente escrutinado por órgãos de controle, como o Tribunal de Contas, devido às preocupações com a fiscalização do uso dos recursos públicos e a efetividade dos mecanismos de controle 8.

3. Qualidade e Abrangência do Atendimento

Ambos os modelos são cruciais para a abrangência do atendimento no SUS, com as Santas Casas se destacando no volume de procedimentos de alta complexidade.

3.1. Abrangência e Acesso

As Santas Casas e Hospitais Filantrópicos são vitais para a capilaridade do SUS. O Brasil conta com aproximadamente 1.819 hospitais filantrópicos, que oferecem mais de 133 mil leitos dedicados ao SUS 9. A relevância é ainda maior em cerca de 800 municípios, onde essas instituições são as únicas responsáveis pela assistência hospitalar 1.

Em termos de complexidade, o setor filantrópico é o principal provedor:

  • 61,33% das internações de alta complexidade no Brasil (2024) 1.
  • 78% dos procedimentos de alta complexidade realizados pelo SUS 10.

3.2. Qualidade e Satisfação do Usuário

A avaliação da qualidade e da satisfação do usuário é um ponto que carece de dados nacionais consolidados e comparáveis entre os diferentes modelos. Embora haja menção a programas de qualidade e indicadores de desempenho em ambos os setores (como o Indicador A9 Alta Responsável em São Paulo para SC/HF), a mensuração de indicadores como tempo de espera, acesso e satisfação do usuário em escala nacional e com foco comparativo é um desafio 11.

No caso das OSS, o Contrato de Gestão exige o cumprimento de metas de qualidade e produtividade, o que, em tese, deveria garantir um padrão de atendimento. Para as Santas Casas, a qualidade está intrinsecamente ligada à sua capacidade de investimento, diretamente afetada pelo subfinanciamento.

Conclusão

As Santas Casas, Hospitais Filantrópicos e Organizações Sociais de Saúde são indispensáveis para a saúde pública brasileira. As Santas Casas, com sua tradição e papel central na alta complexidade, enfrentam uma crise financeira que ameaça sua existência, exigindo medidas urgentes de refinanciamento e reajuste da Tabela SUS. As OSS, por sua vez, representam um modelo de gestão que busca eficiência, mas que demanda maior rigor na transparência e fiscalização para mitigar as controvérsias sobre o uso de recursos públicos e as relações de trabalho.

O desafio para o poder público reside em encontrar um equilíbrio: garantir a sustentabilidade financeira das Santas Casas, reconhecendo seu valor histórico e assistencial, e aprimorar os mecanismos de controle e transparência das OSS, assegurando que a busca por eficiência não comprometa a qualidade e a universalidade do atendimento no SUS.

Referências

[1] CMB. Alckmin defende refinanciamento das dívidas das Santas Casas e reforça importância do setor filantrópico. Disponível em:

[2] Coluna Ponto de Vista. Crise financeira afeta Santas Casas e Hospitais Filantrópicos. Disponível em:

[3] Ecopolsaude. Gasto público destinado a Organizações Sociais de Saúde (OSS) no Sistema Único de Saúde: uma revisão integrativa. Disponível em:

[4] Folha de S.Paulo. Modelo de OSs na saúde avança com menor custo mas é alvo de polêmica. Disponível em:

[5] Outras Palavras. Trabalhadores do SUS organizam-se contra as OSs. Disponível em:

[6] Medicina S.A. Santas Casas lideram atendimentos de alta complexidade no SUS paulista. Disponível em:

[7] IBROSS. Levantamento Censitário de Informações sobre os Estabelecimentos Geridos por Organizações Sociais de Saúde do Brasil. Disponível em:

[8] TCE-SP. Tribunal disponibiliza estudo comparativo entre o gerenciamento da administração direta dos Hospitais Estaduais Paulistas e aqueles feitos pelas Organizações Sociais de Saúde. Disponível em:

[9] CMB. INDICADORES REDE HOSPITALAR NO BRASIL (2019/2020). Disponível em:

[10] INDSH. Desafios na gestão das Santas Casas de Saúde no Brasil. Disponível em:

[11] Saúde SP. Indicador A9 Alta Responsável. Disponível em:

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