Introdução
As classes C e D representam uma parcela significativa da população brasileira e, consequentemente, um motor importante para o consumo no país. Compreender seus hábitos de compra, padrões de gastos, expectativas em relação a produtos e serviços, e as exigências que fazem às marcas e empresas é fundamental para o desenvolvimento de estratégias de mercado eficazes e inclusivas.
Este relatório consolida informações recentes sobre o perfil de consumo dessas classes, abordando aspectos como gastos em categorias específicas, o impacto da estabilização econômica e as tendências que moldam suas decisões de compra.
Perfil e Comportamento Geral de Consumo
As classes C, D e E, em conjunto, representam aproximadamente 76% da população brasileira e são responsáveis por quase metade do consumo nacional [2]. O perfil de consumo dessas classes é marcado por uma perspectiva de conquista e esforço individual.
Uma pesquisa da PwC Brasil e do Instituto Locomotiva de 2023 revelou que 61% desses consumidores se esforçam para adquirir produtos e serviços que não tinham condições financeiras de comprar quando mais jovens, e 71% sentem-se realizados ao conseguir comprar algo após economizar [2].
A estabilização econômica recente tem impactado positivamente o poder de desembolso desses consumidores, levando a uma diversificação nas compras para o lar. Os carrinhos de compras estão mais cheios e diversificados, com a adição de mais itens e a “premiunização” de categorias, resultando em um aumento de gasto que chega a ser o dobro do repasse de preço [1]. Isso indica uma busca por produtos de maior valor agregado, especialmente em categorias ligadas ao cuidado familiar e bem-estar.
Padrões de Gastos por Categoria
Os gastos das classes C e D abrangem diversas categorias, com destaque para alimentos, bebidas, higiene pessoal, cuidados com a casa e, mais recentemente, educação e entretenimento.
Alimentação e Bebidas
As compras do mês para as classes C e D vão além dos alimentos básicos, incorporando mais petiscos e bebidas. Cestas de alimentos como mercearia salgada têm ganhado relevância similar aos itens básicos. No setor de bebidas, houve um crescimento notável no consumo de produtos premium:
- Refrigerantes premium: Crescimento de 111% entre as classes D e E, e 57% na classe C [1].
- Cervejas premium: Aumento de 44% na classe C e 13% nas classes D e E [1].
Higiene Pessoal e Cuidados com a Casa
Uma parcela significativa do orçamento do consumidor brasileiro é dedicada a itens de cuidados pessoais e para o lar. Cerca de 24,5% do orçamento é alocado para essas categorias [1].
A prioridade é dada a produtos essenciais e básicos para a limpeza da casa, mas há uma crescente disposição para gastar mais com categorias ligadas ao cuidado da família.
O consumo de higiene pessoal e beleza cresceu 19,2% em valor nos lares, sendo que 77,1% das unidades são voltadas a cuidados básicos e 22,9% a produtos de beleza. A busca por bem-estar impulsiona as compras de cuidado básico, enquanto a autoestima é o foco dos itens de beleza [1].
Educação e Entretenimento
Embora não haja dados específicos de ticket médio para entretenimento e educação nas fontes consultadas, a pesquisa da PwC e Instituto Locomotiva aponta um alto potencial de consumo reprimido no setor de educação.
Cerca de 31% dos entrevistados gostariam de fazer cursos de idiomas nos próximos 12 meses se tivessem condições financeiras, e 28% citaram cursos diversos [2]. Isso sugere que, com a melhoria das condições econômicas e maior acesso a crédito, haveria um aumento significativo nos gastos com educação.
Em relação ao entretenimento, um estudo da PwC de 2024 estimou que os gastos com jogos e apostas podem equivaler a quase 5% das despesas do brasileiro com alimentação, indicando uma parcela relevante do orçamento destinada a essa categoria [3].
Expectativas e Exigências dos Consumidores
Os consumidores das classes C e D estão cada vez mais exigentes e informados, e suas expectativas e demandas em relação a produtos, serviços e marcas são multifacetadas:
Qualidade e Preço Justo
A maioria desses consumidores (66%) valoriza produtos de qualidade por um preço justo [2]. Em comparação com uma década atrás, 59% consideram que a qualidade de um produto passou a ter mais relevância nas escolhas do que o preço. Isso reflete uma abordagem mais criteriosa na avaliação do custo-benefício, onde a qualidade não é sacrificada em prol do menor preço [2].
Experiência de Compra e Acesso
Os consumidores buscam experiências de compra agradáveis e estão dispostos a pagar mais por itens de maior valor agregado, especialmente em categorias de cuidado familiar [1]. O acesso facilitado a crédito é uma demanda crucial, com 87% afirmando que comprariam mais se tivessem maior acesso.
A falta de crédito (limite no cartão, opções de parcelamento, dificuldade para empréstimos) já fez com que 60% deixassem de comprar ou contratar serviços [2].
Canais de Compra (Phygital)
O conceito “phygital” (integração de ambientes físicos e digitais) é uma realidade para esses consumidores. Uma pesquisa mostrou que 63% já compraram online e retiraram o produto em lojas físicas. A dependência da internet para compras aumentou para 66% dos respondentes na última década, e 40% já realizaram compras em redes sociais.
Além disso, 35% participaram de jogos que concedem pontos/descontos e 38% compraram produtos usados em sites/aplicativos especializados [2].
Responsabilidade Social e Autenticidade
Aspectos ESG (Ambiental, Social e Governança) e a responsabilidade social são fatores decisivos. 86% dos consumidores estão dispostos a priorizar marcas e lojas com propósito, e 53% já deixaram de comprar de marcas por falta de responsabilidade social [2].
Eles valorizam empresas que não apenas falam, mas agem de maneira inclusiva e genuína, apoiando causas alinhadas aos seus valores e identidades [2]. 64% aceitam pagar um pouco mais por marcas/produtos que apoiam a diversidade, e 50% deixaram de comprar de marcas com atitudes preconceituosas [2].
Ticket Médio e Potencial de Mercado
Embora o ticket médio exato por categoria seja difícil de precisar sem dados de pesquisa primária, as informações coletadas indicam tendências e volumes de gastos:
- Higiene Pessoal e Cuidados com a Casa: Representam cerca de 24,5% do orçamento do consumidor [1]. Em 2010, a classe C já era a que mais consumia produtos de higiene e beleza, com gastos que avançaram 725% em oito anos, passando de R$ 2,4 bilhões em 2002 para R$ 19,8 bilhões em 2010 [4]. Embora esses dados sejam mais antigos, eles ilustram a relevância histórica e contínua dessa categoria para a classe C.
- Alimentação e Bebidas: O aumento do poder de desembolso tem levado à “premiunização” de categorias, com crescimento expressivo no consumo de refrigerantes e cervejas premium nas classes C, D e E [1].
- Educação: Apresenta um vasto potencial de intenção de compra reprimida. Se as condições econômicas se tornarem mais favoráveis, esse anseio por educação pode gerar uma nova onda de consumo [2].
O potencial de compra reprimido é um fator chave. Metade dos consumidores das classes C, D e E acredita que não terá condições de comprar pelo menos uma das categorias de produtos que deseja.
Esse “reservatório de desejo de consumo” pode inaugurar uma nova fase de crescimento para o varejo brasileiro se convertido em poder de compra [2].
Conclusão
As classes C e D no Brasil são consumidores estratégicos, caracterizados por um comportamento de compra consciente, valorização da qualidade e do preço justo, e uma forte inclinação para marcas que demonstram responsabilidade social e autenticidade.
A estabilização econômica tem permitido uma maior diversificação e “premiunização” de suas cestas de consumo, especialmente em categorias como alimentos, bebidas, higiene pessoal e cuidados com a casa.
As empresas que desejam se conectar com esse público devem focar não apenas em oferecer produtos e serviços de qualidade a preços acessíveis, mas também em proporcionar experiências de compra agradáveis, facilitar o acesso a crédito e, crucialmente, alinhar-se a valores de inclusão, diversidade e responsabilidade social.
O vasto potencial de consumo reprimido, especialmente em áreas como educação, representa uma oportunidade significativa para o mercado, desde que as barreiras de acesso, como a disponibilidade de crédito, sejam endereçadas.
Compreender as nuances regionais e a crescente integração dos canais físicos e digitais (phygital) também são elementos essenciais para desenvolver estratégias de marketing e vendas que ressoem com as expectativas e exigências desse segmento vital da população brasileira.
Referências
[1] Kantar. “Jornada do Consumidor: brasileiros compram mais e diversificam produtos”. Disponível em: https://www.kantar.com/brazil/inspiration/consumo/2024-wp-joranada-do-consumidor-brasileiros-consomem-mais
[2] PwC Brasil e Instituto Locomotiva. “Pesquisa da PwC e do Instituto Locomotiva revela como a força das classes C, D e E está transformando o setor de varejo e consumo do Brasil”. Disponível em: https://www.pwc.com.br/pt/sala-de-imprensa/release/Pesquisa-da-PwC-e-do-Instituto-Locomotiva-revela-como-a-forca-das-classes-C-D-e-E-esta-transformando-o-setor-de-varejo-e-consumo-do-Brasil.html
[3] PwC Brasil. “Pesquisa da PwC e do Instituto Locomotiva revela como a …”. Disponível em: https://www.pwc.com.br/pt/sala-de-imprensa/release/Pesquisa-da-PwC-e-do-Instituto-Locomotiva-revela-como-a-forca-das-classes-C-D-e-E-esta-transformando-o-setor-de-varejo-e-consumo-do-Brasil.html (Snippet: Em 2024, a estimativa é que gastos com jogos e apostas podem equivaler a quase 5% das despesas do brasileiro com alimentação.)
[4] Cosmetics Online. “Classe C é a que mais consome produtos de higiene e beleza, diz pesquisa”. Disponível em: https://www.cosmeticsonline.com.br/noticias/detalhes-espaco-empresarial/1534/classe-c-%C3%A9-a-que-mais-consome-produtos-de-higiene-e-beleza,-diz-pesquisa


